Negócios desfeitos: no país, cresce o número de devoluções de imóveis comprados na planta
O número de rescisões de contratos de imóveis comprados na planta cresceu 40% no país, no segundo trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2013. O dado foi obtido a partir do balanço das 14 empresas do setor listadas na Bolsa de Valores. Em alguns casos, o aumento no volume de distratos chegou a 60%. Segundo as construtoras, o cenário macroeconômico desfavorável pesou: os bancos estariam mais rígidos na concessão de crédito na entrega das chaves. Mas, para alguns especialistas, a responsabilidade é das próprias construtoras, que, para vender suas unidades, seriam rigorosas de menos.
O distrato costuma ocorrer na entrega do imóvel, quando ele está pronto para ser habitado. Nessa negociação, normalmente o cliente paga à construtora de 20% a 30% do valor do negócio durante a obra. E faz a quitação quando a construção é finalizada, através de financiamento bancário. Mas, se o comprador não consegue o crédito no banco, muitas vezes, desiste da compra.
Revenda sendo feita rapidamente
Vice-presidente da Associação dos Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Claudio Hermolin afirma que calhou de, num momento em que o mercado imobiliário apresenta uma grande demanda por financiamento, os bancos estarem mais seletivos na análise de crédito:
— Após o boom de 2007, tivemos a paralisação do mercado no segundo semestre de 2008 e em todo 2009, mas retomamos o ritmo em 2010 e 2011. Assim, muitas unidades que foram vendidas naquela época estão sendo entregues agora. Os bancos certamente não confirmarão que estão mais restritivos, pois isso seria antipropaganda, mas na prática é isso que estamos sentindo.
A mineira MRV Engenharia, que atua principalmente no mercado de imóveis econômicos, registrou alta de 24,6% no número de negócios desfeitos no primeiro semestre de 2014, ante o mesmo período de 2013. Foram 6.134 imóveis devolvidos, num total de R$ 740,2 milhões. O presidente da MRV, Rafael Menin, confirma que esse percentual está acima da média histórica, mas garante que isso não é problema, já que a revenda está acontecendo rapidamente:
— Existem no Brasil dois mercados: o de imóveis econômicos, que está aquecido e saudável, e o de média/alta renda, com vendas um pouco mais paradas. Mas as empresas deste segundo segmento têm trabalhado com um percentual de pagamento maior na fase de obras e menor após a entrega das chaves, quer dizer, fazendo uma venda mais conservadora, com menor chance de distratos. Porque, apesar da inadimplência baixíssima, os bancos ficaram mais restritivos do ano passado para cá.
Construtoras pouco rigorosas
Para o presidente do Comitê de Habitação da OAB/SP, Marcelo Tapai, em geral, as construtoras são responsáveis, já que não fazem uma análise de risco de crédito do cliente minuciosa para saber se ele terá renda para financiar o saldo devedor, que ficará maior.
— O principal motivo da desistência está na incapacidade financeira do cliente de levar o negócio adiante, em virtude da correção que o preço do imóvel sofre ao longo do tempo. Mas tal incapacidade deveria ser observada pelas construtoras no momento da compra. Afinal, o saldo devedor, durante toda a construção, é corrigido pelo INCC — alerta o especialista em direito imobiliário.
O designer gráfico Renato Nogueira teve seu financiamento negado pela Caixa na hora da entrega das chaves de um imóvel de R$ 158 mil, no município de Cajamar (SP), que havia adquirido num empreendimento da Brookfield.
— Comprei o imóvel há cerca de dois anos, faltando seis meses para a entrega. Já tinha pago R$ 37 mil. Com a recusa do financiamento, tive que desistir da compra — conta Nogueira, que está questionando na Justiça a multa cobrada, de cerca de 70% do montante pago.
A Brookfield Incorporações, que registrou aumento de 63,7% no número de rescisões entre os primeiros semestres de 2013 e de 2014 (de 1.254 a 2.053), está em processo de fechamento de capital e optou por não falar sobre negócios. Quanto ao processo de Nogueira, a empresa diz que “(…) foi informado com clareza ao cliente, por ocasião da compra, todos os termos e condições da aquisição da unidade, em especial no que se refere ao distrato e à participação da imobiliária e dos corretores”.
Crédito passou a ser analisado, diz ADEMI
O vice-presidente da Ademi, Claudio Hermolin, afirma que, hoje, diferentemente do passado, as construtoras fazem a análise de risco de crédito na venda de imóvel.
— Se você ia a um estande de vendas em 2009, 2010, era comum que sequer pedissem comprovação de renda. Bastava o interessado informar seus rendimentos. Mas, agora, as construtoras já incluíram uma análise de risco de crédito. É claro que é uma análise preventiva, já que a vida financeira do cliente pode mudar muito em três anos, mas se hoje o cliente já demonstra que não vai ter capacidade financeira para assumir tal dívida dali a três anos, ele é reprovado — diz Hermolin, que está à frente da construtora e incorporadora PDG no Rio de Janeiro.
No balanço da PDG do segundo trimestre de 2014, não é informado o total de negócios desfeitos. Diz apenas que “a maior parte dos distratos, 83%, continua ocorrendo por perfil de crédito e renda, e não por desistência do cliente”. Segundo Hermolin, como a PDG está recuando em diversas praças do país — a construtora já atuou em 57 cidades e hoje está em pouco mais de 20 — o número de rescisões é alto e esse dado não é informado, pois “seria distorcido”.
O analista de sistemas Denis Polastri comprou, em abril de 2012, um imóvel da construtora MBigucci, em São Paulo, no valor de R$ 325 mil, com previsão de entrega em fevereiro de 2016. Cinco meses depois, já tendo pago R$ 32,5 mil, ele e a mulher se separaram, e ele procurou a construtora para fazer o distrato. No documento de baixa do contrato, diz Polastri, constava que o valor da devolução a que tinha direito era de R$ 848:
— Fui buscar informações e entrei na Justiça. O juiz já deu a sentença, determinando que a construtora me devolva 90% do que paguei, corrigido, mas a empresa entrou com recurso e ainda estamos nesta pendenga judicial.
A MBigucci informa que “(…) quando ocorre (o distrato), efetua a devolução dos valores pagos, conforme entendimento jurisprudencial”.
O advogado Marcelo Tapai lembra que, mesmo que o contrato preveja devolução ínfima dos valores em caso de rescisão, os direitos do comprador são amparados pelo Código de Defesa do Consumidor e há um montante a ser devolvido:
— O consumidor tem o direito de desistir do negócio e receber de volta um percentual em torno de 90% de tudo o que pagou, corrigido monetariamente e pago em única parcela.
Fonte: O Globo