Comprar ou alugar? Eis a questão (VALOR)
As regras do jogo imobiliário mudaram.
A compra, uma decisão que há alguns anos parecia óbvia, em meio a um ambiente de crédito farto e condições de financiamento muito favoráveis, hoje se tornou para lá de nebulosa. Com os juros no maior patamar desde dezembro de 2008 e o “yield” do aluguel, ou seja, a taxa de retorno em relação ao valor de mercado do imóvel, no menor nível em oito anos, conforme dados do índice FipeZap Locação, que acompanha a variação em 25 cidades, a balança pende para o aluguel, segundo especialistas, em quase todas as encruzilhadas nas quais o consumidor se depara com o dilema de comprar ou alugar uma residência no país.
Os custos dos financiamentos subiram consideravelmente, a ponto de fazer a maré virar contra os empréstimos. Hoje uma simulação para a compra de um imóvel de R$ 500 mil, dentro das regras do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), na Caixa Econômica Federal mostra um juro efetivo de 9,45% ao ano, acrescido da Taxa Referencial de Juro (TR). Dentro desse patamar, no entanto, o chamado custo efetivo total (CET), que engloba além dos juros nominais, taxas, tarifas administrativas e de crédito, custos de seguros e tributos, alcança em torno de 11,2%.
Para se ter uma ideia da diferença de condições em relação ao período no qual a Selic estava em um dígito, a Caixa, no segundo semestre de 2012, limitou a taxa máxima para financiamentos imobiliários em 8,85% ao ano. Porém, não raro, oferecia empréstimos para a compra da casa própria dentro do SFH no patamar de 8% e até abaixo desse percentual, caso o cliente levasse a contasalário para a instituição.
As regras do SFH permitem o financiamento para casas e apartamentos com valor até R$ 750 mil, em São Paulo, Rio, Minas Gerais e Distrito Federal, e de R$ 650 mil nos demais estados. Como as operações são feitas a partir de recursos da poupança, as taxas são as menores do mercado, com exceção das oferecidas dentro do programa Minha Casa, Minha Vida, voltado à baixa renda.
Em meio às mudanças pelas quais passa o mercado, simulações mostram que trocar o aluguel pelo financiamento está desvantajoso no momento. Cálculos do planejador financeiro com certificação Certified Financial Planner (CPF) Jailon Giacomelli indicam que para o desembolso em um empréstimo imobiliário se equiparar ao gasto com o aluguel seria necessário um CET da operação de, no máximo, 4,78% ao ano (ver tabela abaixo). O planejador lembra que nem mesmo no menor patamar as taxas de financiamento se aproximaram de algo em torno de 5% ao ano. A simulação feita por Giacomelli leva ainda em consideração o custo de oportunidade obtido com a aplicação dos recursos da entrada pelo cliente, no caso do aluguel.
Com o yield do aluguel no patamar mais baixo dos últimos oito anos, o CDI rende atualmente quase o dobro da taxa de retorno das locações
Para ilustrar a situação, se for considerado o yield médio de 25 cidades apurado pelo FipeZap Locação em maio, de 0,4%, um apartamento no valor de R$ 500 mil teria um aluguel de R$ 2 mil. Caso a pessoa tivesse o mínimo de 50% de entrada para conseguir o financiamento na Caixa, o valor da parcela seria de R$ 2.635, conforme a simulação no site da instituição, segundo a tabela do sistema de amortizações constantes (SAC). Portanto uma despesa mensal 32% maior em relação ao aluguel. Se a operação fosse feita no Banco do Brasil, nas mesmas condições, a parcela mensal subiria para R$ 3.026, ou seja, um aumento de mais de 51%.
Caso o comprador tenha uma entrada menor, de 30% do valor do imóvel, a prestação, conforme o site do BB, subiria para R$ 4.209, mais que o dobro do aluguel teórico. A Caixa exige, no mínimo, 50% de entrada para financiamentos dentro do SFH e 60% para imóveis acima de R$ 750 mil.
O consultor financeiro Fabiano Calil, com certificação CFP, chama a atenção para as incertezas econômicas no curto e médio prazos e os potenciais riscos desse cenário ao se contrair uma dívida longa. “Meu questionamento é sobre a base de incidência dos juros do empréstimo. Por exemplo, acabei de financiar um imóvel de R$ 1 milhão e estou com uma dívida de R$ 800 mil. E se o preço desse imóvel cair num cenário de crise para R$ 700 mil? Se ele precisar vender, não conseguiria quitar o valor da dívida.”
Os juros altos, com a Selic em 13,75% ao ano, atuam ainda de outra maneira para desidratar o apelo da compra. Mesmo se a família conta com o valor total para a aquisição do imóvel, ainda assim, a balança pende para ao aluguel. Segundo o professor Michel Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper, “aplicando esse valor no CDI você ganha quase o dobro do yield da locação”. O especialista lembra ainda que há aplicações, como títulos públicos, com juros reais de 6% ao ano, patamar superior à taxa anualizada de 4,8% do aluguel. Isso significa que, no atual patamar, os juros reais cobririam o custo da locação com folga.
O professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), Alberto Ajzental, lembra que até mesmo o retorno da caderneta de poupança está, no momento, maior que a taxa de retorno do aluguel. “O yield do aluguel hoje está 0,40% ao mês, mas a caderneta paga 0,5% mais TR líquidos, o que está dando, atualmente, 0,74% ao mês”, considera.
No cálculo do custo de oportunidade em relação ao custo do financiamento, a vantagem também mudou de lado. “Se a taxa de rentabilidade for maior que o custo efetivo total de financiamento imobiliário então é melhor manter o dinheiro aplicado e financiar. O custo do dinheiro é menor do que o custo do empréstimo”, afirma Giacomelli.
Mas, se até o ano passado, a melhor opção seria manter o dinheiro aplicado e pagar a propriedade a prazo, com o aumento das taxas do financiamento imobiliário, vale pagar o imóvel à vista, segundo Viriato. “Um investimento com retorno nominal de 100% do CDI, se for descontada alíquota de 15% de imposto de renda, teria uma rentabilidade líquida de 11,60%. Então o CET do financiamento não pode superar esse patamar para valer a pena”, considera.
Na visão de Fabiano Calil, a aquisição do imóvel agora se justifica apenas se a pessoa vai morar na casa ou apartamento e achou a propriedade “que ela quer, onde quer e que cabe no bolso”. Segundo o consultor, o risco de esperar, nesse caso, abrange outras questões. “Em uma situação dessa acho que não vale o risco de esperar, porque a pessoa pode não encontrar mais o imóvel disponível no futuro ou mesmo no preço desejado.”
Para Viriato, do Insper, a decisão pelo aluguel no momento também serve para aproveitar uma situação melhor de compra mais para a frente. “Os preços [dos imóveis] ainda vão cair mais, porque a situação econômica vai piorar”, explica. Além dessa perspectiva negativa para o mercado de compra e venda, o momento é favorável para
os inquilinos negociarem uma redução no valores de locação.
“Os proprietários estão mais flexíveis e conscientes da realidade de mercado e têm negociado os valores com os locatários. É um processo que ocorre mais fortemente nos últimos quatro meses”, afirma Mark Turnbull, diretor de gestão patrimonial e locação do Sindicato da Habitação em São Paulo (SecoviSP). Conforme o dirigente, os valores de locação novos devem manter a tendência de subir menos que a inflação. “O quadro pode se reverter só daqui a um ano ou mais”, pondera.
De acordo com Eduardo Schaeffer, presidente da Zap Imóveis, responsável pelo índice FipZap Locação, “se a gente tiver, de fato, um crescimento de desemprego na casa de dois dígitos e redução de renda significativa é provável que ocorra uma readequação da vacância, com preços ainda mais reduzidos e o yield [do aluguel] pode cair ainda mais”. Viriato, do Insper, ressalta que “hoje vale a pena continuar no aluguel até se ter uma visibilidade um pouco melhor em relação à economia: com a situação piorando existe um risco maior de se perder o emprego e, nesse caso, ter contraído empréstimo pode ser muito prejudicial”.
A opção pelo aluguel no cenário atual parece mesmo ser ruim apenas para quem pensa em investir em renda. “Estamos entrando em uma crise de liquidez. A situação é de incertezas e, nesse caso, o melhor é manter a liquidez até mesmo para o investidor estar pronto para aproveitar boas oportunidades que possam surgir”, afirma Calil. A opinião do planejador financeiro Jailon Giacomelli também reforça essa visão: “é um momento de se ter uma carteira líquida e bem administrada para ter um retorno acima da inflação e se preparar para um momento mais favorável”.
O resumo da ópera: o momento não está para financiamento, por isso as recomendações são aproveitar os juros altos e aplicar o dinheiro, juntar o máximo de recursos possível para a entrada, negociar descontos no aluguel e esperar até os preços se estabilizarem novamente. Por Sérgio Tauhata (VALOR)